Apenas de janeiro de 2021 a janeiro de 2022, cerca de 168 mil crianças foram registradas no país sem o nome do pai. Buscando enfrentar esse vácuo nas certidões de nascimento, uma campanha nacional desenvolvida pelo Colégio Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege) se apresenta como um alternativa para resolver casos simples e complexos.
“Esse cenário tem múltiplas explicações. Há pais que não sabem que têm filhos, que não os reconheceram voluntariamente, que às vezes não estiveram presentes no nascimento. Há também pais que faleceram antes e as pessoas não tiveram a compreensão e o entendimento de que podem fazer constar”, explica Domilson Rabelo da Silva Júnior. Defensor público-geral do estado de Goiás e vice-presidente do Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege), ele é também o coordenador nacional da campanha Meu Pai Tem Nome.
Os interessados na alteração da certidão de nascimento devem se inscrever. O procedimento é realizado junto às Defensorias Públicas de cada estado, geralmente através da internet ou pelo telefone. É preciso ficar atento aos prazos que não é unificado no país. Por exemplo, no Rio de Janeiro, a inscrição está aberta até segunda-feira (7) e, em Santa Catarina, até quarta-feira (9).
Após uma triagem, os interessados poderão ser convocados para o mutirão, que na maioria dos estados será no dia 12 de março. No últimos dias, diferentes órgãos têm anunciado que as metas estão sendo superadas. No Ceará, por exemplo, já há quase 500 agendamentos.
Segundo o Portal da Transparência do Registro Civil mantido pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), entre o início de 2016 e o fim de 2021, 874 mil crianças foram registradas no Brasil sem o nome do pai. As regiões Sudeste e Nordeste concentram o maior volume de ocorrências: juntas elas respondem por 65% do total. Mas é no Norte onde há proporcionalmente mais casos: o pai está ausente em 8% das certidões de nascimento.
Um dos casos que será finalmente solucionado com o apoio da Defensoria Pública do Ceará envolve a pequena Sara, que completará dez anos em menos de duas semanas. A menina ganhará de presente a inserção do nome do seu pai na sua certidão de nascimento. A situação, que parece simples, terá um encaminhamento definitivo após uma década. A mãe da criança Tharla Barros Pereira deu a luz quando seu companheiro estava viajando a trabalho. Ela acabou registrando a filha sozinha. Como o pai é estrangeiro ainda em processo de regularização de sua situação no país, não foi possível incluir seu nome posteriormente. Os documentos dele não foram aceitos no cartório.
Tharlae conta que quando viu um anúncio da campanha, não pensou duas vezes em se inscrever. No mesmo dia, recebeu um telefonema da Defensoria Pública para agendar a modificação. “Foi uma grande oportunidade pra mim e pra ele. Ele queria muito colocar o nome dele na certidão dela”, conta. Segundo a mãe, sua filha sempre conviveu com o pai e, pela sua idade, é indiferente a essa questão do registro. Mas a situação já gerou constrangimentos. “Uma vez fui pegar um ônibus com ela para viajar. Ficaram olhando pro documento meio desconfiados. Sei lá o que passava pela cabeça deles. Fiquei um pouco constrangida”.
No Piauí, a Defensoria Pública decidiu antecipar a campanha em unidades prisionais. Foram feitos dois reconhecimentos de paternidade: um na Penitenciária Irmão Guido, localizada na capital Teresina, e outro na Penitenciária José de Arimatéia Barbosa Leite, no município de Campo Maior. Em ambos os casos, o pedido de alteração do documento das crianças foi solicitado pelos detentos e por suas respectivas companheiras.
Existem diversas modalidades de reconhecimento de filiação. A requisição de exames laboratoriais é uma possibilidade e pode ocorrer, por exemplo, quando há dúvidas da paternidade. Se o reconhecimento for voluntário e espontâneo, não há necessidade de testes: basta a presença conjunta do pai e da mãe no cartório onde a criança foi registrada ao nascer. Nesse caso, a inclusão do nome é feita na mesma hora e a família já sai com o documento em mãos.
“Um terceiro cenário é o reconhecimento socioafetivo. Hoje existe essa possibilidade para fazer constar nas certidões de nascimento a ascendência socioafetiva. Tanto para o pai, como para a mãe”, observa Domilson. Ele explica que a campanha Meu Pai Tem Nome busca conscientizar a população de que a paternidade está vinculada à dignidade da pessoa humana. A iniciativa, segundo o defensor, foi preparada para lidar com todas possibilidades: envolve atendimento jurídico, educação em direitos, exames gratuitos de DNA, entre outros serviços.
“Independente de cada cenário, uma vez efetuado o reconhecimento, advém consequências diversas e obrigacionais relativas a alimentos, direito sucessório, guarda, visita. E tudo isso pode ser conduzido pela Defensoria Pública em uma dinâmica extra-judicial, sem a necessidade de acionar o poder judiciário. Trabalhamos na perspectiva de uma composição amigável. Mas quando há resistência, o poder judiciário pode ser acionado”, acrescenta Domilson.
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