Uma pesquisa publicada hoje (5) revela que mães em ocupações manuais semiespecializadas (manicures, sapateiras, padeiras, auxiliares de laboratórios, feirantes, entre outros) e com jornadas de trabalho de 8 ou mais horas diárias deixam com mais frequência de alimentar seus filhos exclusivamente com o leite materno durante os quatro ou seis meses após o parto. A pesquisa, publicada na Revista Cadernos de Saúde Pública, recolheu dados de 5.166 mães de nascidos vivos em 2010 na capital do estado do Maranhão, São Luís.
De acordo com os dados da pesquisa, entre as mulheres que não têm nenhum tipo de trabalho remunerado (que, em tese, têm melhores condições para manter o aleitamento materno exclusivo), 46% mantiveram o leite materno como único alimento de seus bebês até o quarto mês de vida.
Já entre as mães que estão em ocupações manuais semiespecializadas o percentual caiu para 34%, mesmo índice das mães com jornadas de trabalho de 8 ou mais horas diárias.
O estudo também mostrou que as mães com ocupações em funções de escritório, que trabalhavam 4-5 dias ou 6-7 dias/semana e por 5-7 horas também praticaram menos o aleitamento materno exclusivo até o sexto mês.
Diversos estudos sobre o tema já indicam que o trabalho materno remunerado como um dos fatores para a interrupção do aleitamento materno exclusivo (só leite do peito, sem chá, água, outros leites, outras bebidas ou alimentos) antes de a criança completar seis meses.
A pediatra, pesquisadora e professora do departamento de Medicina da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Marizélia Ribeiro observa que um dos principais efeitos negativos do retorno das mulheres para o trabalho antes de a criança completar seis meses é a diminuição da produção do leite materno, o que acaba contribuindo para a redução do aleitamento materno exclusivo, em especial, quando a jornada é integral.
Uma das autoras da pesquisa e de outros trabalhos com foco em saúde materno-infantil, Marizélia disse à Agência Brasil que, geralmente, os estudos sobre o tema acabam se restringindo a apenas registrar se a mãe tem ou não algum tipo de trabalho remunerado e que sentiu a necessidade de aprofundar a hipótese sobre como as atividade de trabalho interferem na interrupção do aleitamento materno exclusivo.
Segundo ela, a ideia foi motivada pelo acompanhamento e observação de mães em uma unidade de saúde da capital maranhense que já começavam a demonstrar uma forte apreensão sobre como fazer para não interromper o aleitamento materno exclusivo.
“Essas mães são mães pobres que, quando chegava ali perto do terceiro mês de vida dos bebês, começavam a ter uma inquietação muito grande sobre como fazer para não interromper o aleitamento materno dessas crianças”, disse.
A Constituição Federal estabelece como obrigatória a licença maternidade por 120 dias, podendo ser iniciada até 28 dias antes do parto. Já o Ministério da Saúde recomenda o aleitamento materno exclusivo (AME) até o sexto mês de vida da criança.
A pesquisadora observa, entretanto, que a realidade aponta para um cenário diferente, uma vez que muitas dessas mães estão no mercado informal, portanto, sem a possibilidade de usufruir da licença. Além disso, ela observa que o mercado acaba pressionando as mulheres para um retorno precoce ao trabalho.
“Na maioria das vezes é uma jornada de trabalho integral. Elas devem ter uma licença maternidade só até o quarto mês. As condições de trabalho inseguras, pois estão em profissões onde não é exigido ter capacitação e por não ter a capacitação, ela aceita e se submete a condições de trabalho mais insalubres”, argumentou.
Aleitamento em público
Marizélia destaca ainda a existência de um preconceito social praticado contra as mulheres que amamentam em público e que, apesar de alguns avanços nos últimos anos, isso também é muito presente no ambiente de trabalho.
“As pessoas não percebem que quando a criança está sendo amamentada está se fazendo um investimento na mãe e naquela criança que vai ser uma criança mais saudável, com mais possibilidade de atingir a sua potencialidade, porque já se sabe que morre menos, tem menos doenças crônicas, tem maior possibilidade de ser uma pessoa com um melhor desempenho cognitivo”, argumentou. “O aleitamento materno é mais adequado para esse cérebro que está se desenvolvendo e as pessoas não conseguem perceber que isso é um investimento a longo prazo de uma saúde global”, reiterou.
Tripla jornada
Além do retorno mais cedo para o trabalho, outro ponto observado na pesquisa para justificar a interrupção do aleitamento materno exclusivo é a dupla ou tripla jornada de trabalho a que essas mães são submetidas. Isso, inclusive, dificulta a possibilidade de retirada e armazenamento do leite materno. Os dados do estudo mostraram que 54% das entrevistadas realizavam sozinhas os trabalhos de casa.
“Dificilmente, com a jornada de trabalho integral, ela consegue manter o aleitamento exclusivo. Porque ela tem a jornada fora de casa de 8 horas, ela demora duas horas ou mais no trânsito e, quando chega em casa, ainda tem o trabalho de casa”, disse. “Como é que ela vai tirar leite? Tirar leite não é fácil, porque ela chega cansada em casa, tem que fazer comida, tem que ver as outras crianças, tem as coisas para lavar, arrumar a casa, tem que fazer tudo isso para, no outro dia, estar trabalhando”, disse.
Marizélia defende a adoção de uma licença maternidade integral de seis meses para todas as mulheres, como uma das medidas para reverter esse quadro.
“Não é só uma licença, mas uma licença com todas as outras condições de formação, de oportunidade de trabalho, de mudança cultural do que significa o aleitamento materno e do que significa uma criança amamentar na vida”, defendeu.
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