A Polícia Civil de São Paulo abriu um inquérito para investigar dois estrangeiros que afirmam serem coaches de relacionamento do curso chamado Millionaire Social Circle. Por meio do curso, os estadunidenses Mike Pickupalpha e David Bond viajam o mundo vendendo supostas técnicas para conquistar mulheres.

Em fevereiro, eles estiveram no Brasil e promoveram uma festa em uma mansão em São Paulo. Em vídeos da festa, publicadas por eles mesmos em redes sociais, são mostradas pessoas bebendo, comendo e tirando fotos. O evento promovido na cidade seria para que os convidados colocassem em prática as técnicas ensinadas nos cursos.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), uma das mulheres presentes nessa festa se reconheceu em vídeos que circularam nas redes sociais e registrou um boletim de ocorrência na Delegacia Eletrônica. Em entrevista ao site G1, algumas das vítimas relataram que foram à festa sem saber que eram parte de uma aula desse curso.

Por meio da denúncia encaminhada à Delegacia Eletrônica, a Polícia Civil abriu inquérito para investigar se houve favorecimento de prostituição ou outra forma de exploração sexual durante a realização dessa festa. O inquérito também vai apurar se os norte-americanos agenciaram, aliciaram, transportaram, transferiram, compraram, alojaram ou acolheram exploração sexual durante sua passagem pelo Brasil. O caso está sendo investigado pelo 34º Distrito Policial.

Agora, a polícia deverá realizar diligências para identificar e ouvir formalmente os organizadores dessa festa.

O Millionaire Social Circle cobra a partir de US$ 12 mil (cerca de R$ 63 mil) para uma “mentoria”, que prevê uma viagem de duas semanas para algum país. Esse curso já promoveu edições na Costa Rica, Colômbia e Filipinas. A próxima etapa será na Tailândia, em agosto.

Países de preferência

Em entrevista à Agência Brasil, a advogada Luciana Terra, diretora jurídica do Me Too Brasil, destacou que a escolha desses coaches por países subdesenvolvidos para os seus cursos não é feita de forma aleatória. “Eles entendem que são países subdesenvolvidos e que as mulheres seriam mais ‘fáceis’, de mais fácil acesso. Infelizmente, no Brasil, temos muitos casos de turismo sexual, de exploração sexual infantil e de prostituição e isso acaba, de alguma forma, facilitando esse acesso”, disse ela.

Para a diretora do Me Too Brasil, outros crimes poderiam também ser imputados aos estrangeiros, como o de compartilhamento de imagens em redes sociais. “[A divulgação das] imagens das mulheres, com cunho sexual, é crime no Brasil”, disse ela. “Outro crime que pode ser denunciado é de importunação sexual”, acrescentou ela.

Outro lado

Por meio das redes sociais, os estrangeiros se defenderam dizendo que “uma coisa positiva” se tornou algo negativo por meio da mídia. “Fizemos esforços para tornar a festa o mais segura e bem coordenada possível. Contratamos segurança brasileiro, contratamos vários funcionários no local, oito pessoas para churrasco e até assistentes para ajudar no transporte. Entendemos que somos estrangeiros e entendemos que estamos no país de outra pessoa. Tomamos todas as medidas para respeitar a cultura local e garantir a segurança de todos com quem interagimos. A festa foi algo pessoal, com alguns amigos brasileiros próximos”, disseram eles, na nota.

Segundo eles, as pessoas preencheram um formulário de inscrição antes de participar da festa. “Não havia nenhuma exigência de fazer nada na festa. As pessoas falavam com quem queriam e iam para onde queriam”, escreveram. “Concordo que crimes sexuais são um assunto sério, mas conhecer alguém organicamente por meio do Tinder ou de aplicativos de namoro online, levar alguém a um restaurante e ter uma interação consensual não é um crime sexual”, acrescentaram.

Em suas redes sociais, Mike Pickupalpha ainda postou comentários irônicos e misóginos para dar sua explicação pessoal sobre a festa no Brasil. “Fizemos a maior festa do Brasil e as feministas não poderiam lidar com isso”, escreveu ele.

“Mulheres como experimento”

Para a diretora do Me Too Brasil, o que aconteceu em São Paulo não pode ser encarado como uma simples festa, já que todos os homens presentes participavam desse curso. “Como eles estão nesse movimento, com coaches de como pegar mulheres, as mulheres ali fizeram parte de um experimento. Não era uma festa de interação ou de curtição. Era mais voltada para essa atmosfera desses cursos de como pegar mulheres, de cunho sexual, e que infelizmente têm acontecido no Brasil. E, infelizmente, como eles vão embora do país, fica difícil seguir um processo penal ou uma responsabilização”, disse ela.

Luciana Terra alerta que mulheres que enfrentem situações semelhantes a essa denunciem o caso à polícia. “O alerta é para que as mulheres que souberem ou presenciarem coisas desse tipo denunciem e chamem o 190 [telefone da polícia] na hora. Também é preciso tomar os devidos cuidados quando forem chamadas para esses tipos de eventos”, falou ela.

Ela ainda ressalta que o país precisa estabelecer critérios mais rígidos para impedir que grupos como esses entrem aqui livremente e pratiquem crimes. “É preciso que as embaixadas também se mobilizem com relação a isso, tendo critérios mais rígidos para a entrada de grupos dessa natureza que queiram entrar no país”, disse ela.

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