A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e o Ministério da Saúde iniciaram esta semana, em Washington, nos Estados Unidos, a segunda etapa de um projeto de cooperação técnica envolvendo a recém-criada Secretaria de Informação e Saúde Digital. Encabeçada por Ana Estela Haddad, a pasta é responsável por formular políticas públicas orientadoras para a gestão da saúde digital.
Desde janeiro deste ano, a secretaria tem como competência apoiar gestores, trabalhadores e usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) no planejamento, no uso e na incorporação de produtos e serviços de tecnologia da informação e comunicação – incluindo a chamada telessaúde, o desenvolvimento de softwares, a integração e a proteção de dados e a disseminação de informações.
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De Washington, Ana Estela Haddad conversou com a Agência Brasil sobre a cooperação técnica com a Opas e revelou que o país pode se tornar uma espécie de centro colaborador em saúde digital diante do que chamou de experiência pioneira nas Américas.
Na entrevista, ela falou ainda sobre indicadores digitais de saúde, Conecte-SUS e os desafios para digitalizar o sistema de saúde em um país com as dimensões do Brasil.
Saiba os principais trechos da entrevista:
Agência Brasil: Qual a importância desse projeto de cooperação com a Opas, que entra na segunda etapa esta semana?
Ana Estela Haddad: A Opas é um parceiro importante, é o braço para as Américas da Organização Mundial da Saúde, que estabelece uma certa articulação global, com diretrizes e princípios para todos os seus estados-membros. A gente está fazendo um mergulho em todos os principais produtos e projetos que a Opas tem hoje em andamento que podem ter uma interface com a saúde digital. Tudo isso vai nos dar a oportunidade de ampliar e aproveitar ao máximo o escopo desse termo de cooperação. E essa cooperação é interessante para a gente, mas é interessante também para a Opas. Eles estão nos convidando para nos tornarmos um centro colaborador em saúde digital porque a experiência do Brasil é pioneira na região das Américas. Eles entendem que, juntos, podemos aprender com essa experiência que pode, depois, servir de inspiração e modelo para outros países da região.
Agência Brasil: Por que construir indicadores para medir a saúde digital dos municípios?
Ana Estela Haddad: Quando a gente fala em construir indicadores, a gente não está falando de indicadores só para saúde digital. Porque o escopo da nossa secretaria é produzir e disseminar informações estratégicas em saúde de caráter geral e, certamente, isso começa pelas políticas prioritárias do ministério, como a atenção primária, a atenção especializada, a saúde da mulher, a saúde indígena, a vigilância. São áreas que a gente trabalha em parceria com as secretarias do ministério, estabelecendo quais indicadores de monitoramento dessas políticas a gente vai acompanhar.
Agência Brasil: Qual o papel da nova secretaria no atual contexto do Brasil?
Ana Estela Haddad: A secretaria tem dois papéis principais: um papel meio e um papel fim. O papel meio é apoiar os três entes federados – o ministério, mas também estados e municípios e toda a composição do Sistema Único de Saúde – para avançar no processo de transformação digital em geral. Claro que a gente tem situações muito diversas. Há estados mais adiantados, mais atrasados. E há especificidades nesse processo de transformação digital. Cabe a nós estabelecer algumas normas e diretrizes a serem seguidas por todos, aquilo que caracteriza as melhores práticas e oferecer cooperação técnica e recursos para que, de forma compartilhada, a gente possa avançar na transformação digital.
Estamos desenvolvendo um projeto para universalizar, por exemplo, a conectividade nas unidades básicas de saúde. são 48 mil unidades e a gente tem um pequeno número, 1,3 mil ou 1,5 mil, que ainda precisa ter conectividade ou melhorar sua conectividade para poder efetivamente entrar num círculo virtuoso de transformação digital, que é o primeiro passo.
Agência Brasil: As tecnologias digitais podem impactar positivamente a saúde?
Ana Estela Haddad: Com certeza, só que isso não é um processo automático. Não basta decidir usar as tecnologias para que esse impacto seja positivo. Por isso a gente está construindo esse percurso. Primeiro, identificar os nossos críticos e pensar num desenho para essas tecnologias. Existe uma série de princípios que a gente precisa seguir, um realinhamento radical. Por exemplo, com relação a dados em saúde: de um lado, a gente tem a proteção de dados, que é fundamental e inalienável, o direito à proteção dos dados pessoais dos usuários. De outro lado, temos a lei de acesso à informação. A gente precisa também disseminar informações estratégicas, tratar os dados, transformar esses dados em informação relevante – para o gestor, para os profissionais de saúde que estão na sua atuação clínica, além do próprio cidadão, que tem que desenvolver uma postura de autocuidado com a sua saúde e precisa, para isso, de informação baseada em evidência de qualidade. Não é um processo automático.
Agência Brasil: Na pandemia, a transformação digital em saúde claramente se expandiu. Como realinhar essa expansão de maneira que evite a exclusão de pessoas?
Ana Estela Haddad: Essa expansão, na pandemia, foi muito intensa, até pela força da necessidade. Foi um movimento mundial. Mas ela também foi pouco planejada porque surgiu a partir de uma necessidade, como foi possível. Não teve um planejamento ideal, veio de forma, muitas vezes, fragmentada, atendendo a necessidades localizadas, sem pensar o processo de gestão, do cuidado de gestão da rede de atenção de uma maneira mais sistêmica. Um dos desafios fundamentais que a gente tem agora é ter um inventário e um mapeamento pelo menos da maioria dessas experiências. Identificar as experiências mais bem sucedidas como modelo e promover um processo de integração das experiências existentes. Organização e integração das experiências, além, claro, de induzir, fomentar que novas experiências sejam implementadas para que a gente expanda aquilo que teve bons resultados. Um bom exemplo é que já temos pouco mais de 36 milhões de usuários, de pessoas que baixaram o seu Conecte-SUS no celular e que utilizam o aplicativo para suas informações de saúde.
Agência Brasil: De que maneira o SUS vai se tornar mais digital e como a população pode se beneficiar desse processo?
Ana Estela Haddad: Os desafios são imensos. Em primeiro lugar, eles incluem o tamanho e a diversidade de situações que a gente vive. Por exemplo: estamos trabalhando e planejando implementar a saúde digital no subsistema de saúde indígena, que tem uma estrutura completamente separada, porque não está estruturada como as regiões de saúde que envolvem estados e municípios. Então, uma das questões é que a gente já vai ter que planejar isso de forma separada, atendendo diferentes necessidades – desde a infraestrutura, aspectos geográficos, locais que não têm energia elétrica e que você precisa de uma solução de conectividade diferenciada. A gente precisa planejar a tecnologia de acordo com o momento e o contexto de cada município, estado ou distrito sanitário indígena em que estivermos atuando e colaborando. Promover, ao mesmo tempo, o atendimento das necessidades de cada espaço e construir um processo nacional em que todos sejam incluídos é um dos grandes desafios.
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