Entre os dias 27 e 30 deste mês, a cidade de Afuá, no Pará, no Arquipélago do Marajó, se prepara para o Festival do Camarão. É tempo não só de celebrar as tradições, mas também de refletir sobre os cuidados com o Rio Amazonas, de onde sai o sustento para os mais de 37 mil moradores do lugar. “O rio é tudo para a gente. Vivemos em uma ilha”, diz a professora do município, Marciléia Brito, que também é ativista ambiental. A cada festival, a educadora recorda de forma especial de uma aliada que ela conheceu de longe, pelas ondas do rádio, a jornalista Mara Régia di Perna, da Rádio Nacional, emissora da Empresa Brasil de Comunicação – EBC.
A professora vibrou depois que soube que Mara foi indicada, esta semana, ao Prêmio Mulher Imprensa, na categoria Radiojornalismo. Marciléia já avisou à comunidade sobre a novidade.
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Em 2017, ela mostrou aos alunos que a jornalista falava de temas fundamentais para a vida de todos eles, inclusive da sustentabilidade da pesca do camarão e da coleta seletiva. Lutas contra a contaminação e a favor da conscientização comunitária em alto e bom som por microfones de Brasília, aparentemente distantes, mas que ficavam pertinho.
“Uma pessoa de tão longe abraçar a luta e as causas da Amazônia fez com que eu me inspirasse na Mara também para abraçar a luta pela natureza”, diz Marciléia. Naquele ano, Mara Régia visitou Afuá. Foi recebida com balões, abraços, perguntas e palavras de gratidão. “Ela chegou”, gritaram os alunos quando viram a lancha que transportava a jornalista.
Incentivo
Eles conheciam Mara pela Rádio Nacional e pelo que estudaram na escola municipal. “Nós estudamos a vida de Mara justamente para incentivar alunos dessa nova geração a também proteger e abraçar a causa da nossa Amazônia”, relatam. A professora testemunha também que muitos deles já chegaram à faculdade e carregam idealismo e sonhos nascidos na época de escola.
Para a jornalista, que completará 72 anos de idade em setembro, gestos como esse são inesquecíveis como um prêmio de vida. Não foram raros em sua carreira. Em 42 anos na programação da EBC (com Viva Maria e Natureza Viva), Mara foi mais de 180 vezes para lugares remotos da Amazônia para contar histórias, aprender e também ajudar na conscientização de questões ambientais, sociais e de gênero.
“Foi uma experiência linda, inesquecível que eu tive em Afuá, onde os alunos da professora Marciléia estavam cantando ‘que bom que você veio’. Foi emocionante também quando fui comemorar o aniversário da Lei Maria da Penha com as vítimas de violência, em Xinguara, no interior paraense. Esses encontros com a audiência do programa são inesquecíveis”, opina.
Reconhecimentos
As sensações que a jornalista experimenta há mais de quatro décadas são, para ela, reconhecimentos imateriais e estão emoldurados em sua memória. Mas a profissional é também formalmente uma das mais premiadas da história da imprensa do Brasil, com mais de 30 troféus, placas e diplomas de instituições brasileiras e internacionais. Um dos mais recentes foi o Prêmio Audálio Dantas, em 2021, pelos serviços prestados à radiodifusão no Brasil.
Mesmo com carreira reconhecida, Mara Régia ficou emocionada quando recebeu a notícia de que era uma das indicadas ao 17º Prêmio Mulher Imprensa, na categoria Radiojornalismo. “Foi uma surpresa e tanto. Não esperava. Ter o trabalho reconhecido é sempre maravilhoso”. Em 2016, ela foi indicada para o mesmo troféu na categoria de âncora.
Nessas mais de quatro décadas, o Viva Maria caminha para a marca de 10 mil programas e já superou a marca de 20 mil horas no ar.
“As histórias dessas mulheres são a razão da minha vida”, garante a jornalista. Ela guarda histórias como a de uma menina que foi vendida em Aripuanã do Norte (MT), que havia sido vendida pelo pai três vezes. E ela pediu ajuda pelo rádio para proteger as irmãs. “Uma história dilacerante. Graças a uma rede que formamos com entidades como a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) conseguimos chamar o Conselho Tutelar para salvar a menina”, recorda.
Transformação
Para ela, o reconhecimento na carreira está vinculado à transformação que se promove na vida das pessoas que entram em contato com o trabalho da jornalista. Quando o programa comemorou 40 anos de história, por exemplo, teve retorno de pessoas que ajudaram no percurso, como das vítimas de escalpelamento [perda do couro cabeludo e dos cabelos) na Amazônia.
“Todas as ações da campanha realizadas na rádio resultaram na compra de máquinas para que elas fizessem perucas. São muitas mulheres que resgataram sua autoestima”, afirma.
Inclusive, a jornalista – como bolsista da Fundação MacArthur – desenvolveu por quatro anos o Projeto Mulher nas Ondas do Rádio, Corpo de Alma para romper o silêncio para a sexualidade e saúde reprodutiva junto às mulheres da floresta.
Utilidade pública
Outra experiência transformadora recente que ela elenca aconteceu em 2019, quando houve a liberação recorde de uso de agrotóxicos no Brasil. Ela colheu depoimentos sobre a nova matança por envenenamento das abelhas e ouviu cientistas sobre os efeitos no cerrado e na Amazônia
O espírito inventivo e corajoso não se alterou com o passar do tempo. Mara Régia, que também é professora de Jornalismo, deixa encantados os alunos com suas histórias de vida. Tanto que costuma ser tema de estudos de alunos de graduação, mestrado e doutorado.
Os sonhos ainda são os mesmos. O que ela mais deseja é poder trabalhar mais e garantir visibilidade para comunidades amazônicas no programa Natureza Viva e também no Viva Maria. “Eu sempre entendi a comunicação como um serviço de utilidade pública. Uma conquista, se eu tenho o que dizer, é chegar a essa minha idade à frente dos microfones com muita força, raça e fé”, finaliza.
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