Uma aula pública em São Paulo marcou o fim do ciclo de comemorações do centenário do educador Paulo Freire, promovido pelo grupo de teatro Companhia do Tijolo, e a estreia de uma nova montagem teatral sobre aprender e ensinar.
O palco, na última quarta-feira (30) de agosto, foi a Praça da República, centro da capital paulista. Ao fundo, o prédio de uma das primeiras escolas da cidade, hoje a sede da Secretaria Estadual de Educação. De um lado, a unidade móvel do Bom Prato, serviço do governo do estado, que oferece refeições a R$ 1. Do outro, as tendas da Operação Baixas Temperaturas, com cobertores para as pessoas em situação de rua enfrentarem o inverno paulistano.
No centro da praça, cercada por uma plateia acomodada em cadeiras de praia, duas mulheres com cerca de 80 anos falam sobre educação popular, religiosidade, feminismo e liberdade. Ivone Gebara e Maria Valéria Rezende são freiras da Congregação das Irmãs de Nossa Senhora e trazem uma experiência de religiosidade e educação que foge a qualquer estereótipo.
O encontro foi organizado pelo grupo de teatro Companhia do Tijolo, que, em 2021, ano do centenário de Paulo Freire, iniciou um ciclo de atividades para celebrar o patrono da educação. A aula das duas religiosas, que são também educadoras, pensadoras e escritoras, encerrou esse ciclo. Karen Menatti, atriz e integrante da companhia, explica porque Ivone e Maria Valéria foram as protagonistas do ato.
“A Ivone conviveu muitos anos com Dom Helder [Câmara], em Recife, e a Maria Valéria com o professor Paulo Freire, quando ele fazia seus projetos de alfabetização de adultos, ela é educadora popular também. A gente queria ouvir o que elas tinham para falar em relação à educação popular, mas também pelo viés da palavra escrita, da palavra falada, das histórias de vida delas que, afinal de contas, é o nosso pensamento também da Companhia do Tijolo, que é aprender a partir do nosso chão, e do chão do outro que está do lado”, explicou Karen Menatti.
O encontro também foi a abertura de uma nova etapa. Em setembro, a companhia estreia uma peça nova: o Vôo da Guará Vermelha, baseada no livro homônimo de Valéria. O livro conta a história de Rosálio e Irene. Ele, um pedreiro que anda pelo Brasil com uma caixa de livros, que não consegue ler porque é analfabeto. Ela, uma prostituta com Aids, que sabe ler e escrever. Quem conta mais sobre os sentidos desse encontro é a própria Valéria.
“Ele conta histórias pra ela, e ela tem vontade de viver mais um dia para ver a continuação da história e ensina ele a escrever. É uma espécie de Mil e Uma Noites ao contrário. É a educação, mas uma forma de educação que não é a escolaridade tradicional, que supõe que a cabeça do outro é vazia”, relata a escritora.
Ela destaca que esta é uma percepção da educação como troca de saberes. “Que é sempre mútua, de inspiração freiriana. [Uma história que] Toca as pessoas que têm interesse na transformação social, na justiça social, que têm uma esperança que o Brasil seja mais justo”, acrescenta.
Ivone também é educadora, mas o foco dela é filosofia e teologia e propõe uma leitura bíblica baseada na ética e contra as opressões. “Para mostrar o quanto as crenças religiosas também precisam ser retrabalhadas, porque podem tanto fortalecer os impérios opressores quanto a liberdade necessária para a vida.”
Para ela, a aula no meio da praça foi uma experiência nova. “Eu não sei o que captaram, mas pra mim foi interessantíssimo poder falar de educação numa praça pública. É de uma originalidade incrível, me remete aos tempos em que a gente tinha mais segurança de falar nas praças públicas e de discutir coisas políticas.”
Desempregado, Paulo Henrique deixou a fila do restaurante popular para assistir à aula. “Eu acho que toca na questão muito crucial para o Brasil, não só o Brasil, que é a questão da religião. Se Jesus voltasse hoje, eles matariam Jesus de novo. E esse tipo de coisa parece que é um consenso coletivo de uma resistência”, avaliou.
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