Entre os 27 estados do Brasil, 23 não estabelecem número de vagas para as atividades de leitura em estabelecimentos prisionais. Em 15 estados a relação entre oferta e demanda não atingiu um nível satisfatório. Os dados fazem parte do Censo Nacional de Práticas de Leitura no Sistema Prisional.
Com média nacional de 2,4 livros dos acervos das bibliotecas por pessoa presa, restrições de acesso ao material foram relatadas em 39,3% das unidades prisionais. No próprio acesso às bibliotecas, 21,5% das unidades indicam que há critérios para que os detentos possam acessar os livros, tais como bom comportamento e participação em outros projetos da unidade.
O censo é uma das iniciativas do Programa Fazendo Justiça, parceria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
“Com a finalidade de estimular a universalização da leitura e a remição de pena, a pesquisa avaliou a estrutura e as condições que permitem atividades educativas e o acesso à leitura nas 27 unidades federativas, além de investigar aspectos como a existência de bibliotecas, iniciativas, práticas e atividades de leitura”, informou o CNJ. A equipe contou com cinco coordenadores regionais e 27 pesquisadores de campo.
Levantamento
Coordenadora geral da pesquisa, Christiane Russomano Freire informou que o trabalho foi realizado durante 1 ano e meio, em duas etapas e não se restringiu ao sistema prisional brasileiro, mas se estendeu ao sistema socioeducativo. Christiane é professora da Universidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, e doutora em Ciências Criminais pela PUC-RS.
A pesquisa foi realizada em 1.347 estabelecimentos prisionais estaduais, que correspondem a 99,6% dos presídios no país. O 0,4% restante corresponde aos cinco estabelecimentos prisionais federais. Do total de estabelecimentos que participaram, 30,4% não têm bibliotecas ou espaços de leitura e 26,3% não realizam atividades educacionais.
“Isso é um dos calcanhares de Aquiles. Temos que resolver esta questão das bibliotecas, porque elas impactam diretamente nas ações de leitura”, afirmou Christiane Russomano Freire, durante a cerimônia de lançamento do Censo, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, no centro do Rio, na última quinta-feira (26).
No campo da inclusão, os dados mostram que 53% das unidades com biblioteca não garantiam acesso ao espaço para pessoas sem alfabetização, e 92% não asseguravam o acesso de pessoas com deficiência. O censo revela que 53% das pessoas privadas de liberdade são analfabetas ou têm ensino fundamental incompleto.
Racismo
O mapeamento indicou que há 656.725 pessoas nos estabelecimentos estaduais prisionais. No entanto, ao comparar os dados com levantamentos por raça, cor e etnia há uma inconsistência, pois esse total somaria 560.209 pessoas, ou 85,4% do que indicou o censo. A explicação para essa diferença, sengundo o CNJ, é que muitos presídios não contam com essa informação e preencheram os questionários marcando NI (não informado).
“Nessa perspectiva, as inconsistências dos dados referentes às categorias raça/cor/etnia, identificadas no conjunto dos estabelecimentos prisionais brasileiros, devem ser abordadas e compreendidas como expressão contundente do racismo estrutural e institucional, que não apenas tangencia, mas, sobretudo, oculta uma das mais importantes e instrumentais características do sistema prisional brasileiro: a seletividade sociorracial”, apontou o documento.
O censo apontou ainda que a análise dos indicadores das variáveis de raça, cor ou etnia demonstram claramente a sobrerrepresentação de pessoas pretas (15,8%) e pardas (48,9%) no sistema prisional nacional.
Conforme os dados, a soma atinge a fração de 64,7% da população prisional, “fato que evidencia uma importante desproporção quando consideradas as estatísticas nacionais oficiais, que registram a representação desses grupos em aproximadamente 56,1% do total da população do país”, indicou, com base em informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua) – Características Gerais dos Moradores 2020-2021.
Gênero
A população privada de liberdade do gênero masculino soma 626.603 pessoas, o que correspondente a 96% do total. Já no gênero feminino são 28.700 pessoas, que representava 4% das pessoas privadas de liberdade.
Pessoas com deficiências
Entre as pessoas com deficiências (PCD), as respostas dos estabelecimentos prisionais ao censo indicaram há maior incidência de PCD mentais (3.939 pessoas), seguidos por pessoas com deficiência física (2.646 pessoas), deficiência visual (951 pessoas) e deficiência auditiva (572 pessoas).
Escolaridade
Conforme dados consolidados no Sistema de dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), de janeiro a junho de 2020, a população prisional em atividades educacionais alcançou 12,28% das pessoas encarceradas, ou 92.661 pessoas em número absolutos.
Dentro deste grupo, 9.765 se dedicavam às atividades de alfabetização; 9.189 às atividades complementares; 31.066 faziam ensino fundamental; 15.180, ensino médio; 7.380, ensino superior; 3.195 frequentavam cursos profissionalizantes e 23.428 usufruíam do direito à remição pelo estudo e pelo esporte.
“Considerando a soma total de 701.401 pessoas aprisionadas naquele período, chama a atenção o irrisório percentual de aproximadamente 3,36% de pessoas que usufruíram o direito à remição pelo estudo e pelo esporte”, apontou o Censo.
Vagas
Dos estabelecimentos prisionais que responderam às questões, nota-se que há 1,5 pessoa por cada vaga. Isso corresponde a um déficit de 50% de vagas.
Nos estados de Minas Gerais, Ceará, Goiás e Paraíba, as médias de pessoas privadas de liberdade por vagas oferecidas são iguais à média nacional (1,5). Tocantins é o único estado brasileiros em que não há déficit, havendo uma pessoa para cada vaga existente.
Alguns estados, no entanto, têm déficits menores que a média nacional: Maranhão, Bahia e Alagoas tem 1,1 pessoa por vaga, seguidos por Roraima e Santa Catarina, com 1,2 pessoa por vaga; Paraná, Pará, Rio Grande do Sul e São Paulo (1,3); Mato Grosso e Acre (1,4).
Por outro lado, 11 estados brasileiros têm déficit prisional maior que a média nacional. São eles: Amapá (1,6 pessoa por vaga), Espírito Santo (1,6), Piauí (1,7), Sergipe (1,7), Distrito Federal (2,0), Amazonas (2,0), Roraima (2,1), Rio de Janeiro (2,1), Mato Grosso do Sul (2,3), Pernambuco (2,6) e Rio Grande do Norte (4,2), onde as médias são superiores ou muito superiores à média nacional.
Remição
Pela legislação brasileira, conforme o tempo de leitura, as pessoas em ambiente prisional conseguem remição das penas O objetivo mais mencionado entre as unidades que declararam possuir práticas e projetos de leitura, foi a garantia do direito à remição da pena, com 611 menções ou 82,9% da totalidade.
Na sequência aparecem a universalização do direito de acesso à leitura, com 488 (66,2%) menções; a ocupação do tempo das pessoas privadas de liberdade, 483 (65,5%); a promoção da cidadania, 474 (64,3%); a contribuição para o processo de educação formal, 459 (62,3%) menções; a preparação para a vida extramuros, com 448 (60,8%); promoção da autoestima, autonomia e pensamento crítico com 445 (60,4%) o desenvolvimento da criatividade com 372 (50,5%) menções; a interação social com seus pares, 315 (42,7%); e, por fim, a produção literária e artística com 260 (35,3%) menções dentre as unidades que responderam o levantamento.
Segundo o CNJ, o censo permitiu que o órgão elaborasse a proposta de um Plano Nacional de Fomento à Leitura nas Prisões.
“Parece evidente que a construção, implantação e consolidação de uma política nacional de leitura para o sistema penitenciário brasileiro exige, das gestões prisionais e das instituições do sistema de Justiça, um olhar atento para as particularidades e vulnerabilidades que marcam a população prisional, dentre elas as deficiências físicas, mentais, visuais e auditivas”, diz o documento.
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