O museu virtual Rio Memórias lança na terça-feira (3) sua mais nova galeria, denominada Rio de Marés, que conta a história do conjunto de favelas da Maré, situado na zona norte do Rio de Janeiro. O lançamento ocorrerá às 17h, no Galpão Ritma, no Parque Maré, em parceria com a organização não governamental (ONG) local Redes da Maré. A exposição virtual já pode ser acessada no site do museu. O evento de lançamento contará com a presença de Eliana Sousa Silva, fundadora e diretora da Redes da Maré, e com a idealizadora do Rio Memórias, Livia de Sá Baião.
A curadoria é do historiador Mario Brum, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “Na galeria, a gente tenta mostrar que a Maré também faz parte do Rio de Janeiro, destacando que é um território que os moradores construíram, muitas vezes sem ajuda do Estado ou até contra o Estado, assim como eles construíram a cidade do Rio de Janeiro”, disse Brum à Agência Brasil.
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A galeria registra que o território onde o conjunto de 16 favelas da Maré se situa passou por várias transformações ao longo do tempo. “Mas é um território em que os moradores exercem papel fundamental na construção do local onde habitam e na construção de sua identidade também, como identidade de pessoas que lutam pelos direitos mais básicos: à moradia, à saúde, educação, ao direito de serem reconhecidos como parte da cidade. A galeria foca nesses dois elementos: construção do território e construção da identidade deles”, explicou o curador.
Historicidade
Mario Brum informou que um dos objetivos da galeria é trabalhar com a historicidade da Maré, porque as pessoas estão muito acostumadas a ver a Maré como uma coisa única, sem saber que as 16 favelas que a compõem têm histórias e trajetórias diferentes e que o território atual está muito associado à história de favelas. A Maré, oficialmente, é um bairro da cidade do Rio, desde 1994.
“A gente mostra, na galeria, que aquele território teve vários períodos diferentes”. Segundo o curador, grande parte do território era Praia de Inhaúma e Praia de Maria Angu. No início, ele foi formado por aldeias de pescadores que viviam em palafitas. “Não era um território pensado como favela. A partir dos anos de 1950, principalmente, o volume de palafitas se torna muito grande, a Avenida Brasil foi aberta e começam a surgir os barracos. É quando a ideia de favelas da Maré surge. A própria ideia de favela da Maré para a cidade não era muito lógica”, explicou Brum. Não havia registro. A favela não fazia parte da cidade e, por isso, não havia preocupação em designá-la.
No governo João Figueiredo, último da ditadura militar, o então ministro do Interior, Mário Andreazza, anunciou um plano de erradicação das favelas, que seria o Promorar. Brum conta que os moradores da Maré, assustados porque, anos antes, o governo federal tinha removido outras favelas para locais distantes, como a Praia do Pinto e a favela da Catacumba, decidiram se organizar e criar um comitê de defesa da Maré. É nesse momento, segundo o historiador, que se pode ter uma ideia do conjunto de favelas da Maré. “Os moradores se organizam, reivindicam que não sejam tirados de suas casas e conseguem transformar o projeto de remoção em projeto de urbanização”. Figueiredo e Andreazza inauguraram posteriormente, na Maré, a Vila do João e o Conjunto Pinheiro, que surgem a partir do Projeto Rio.
Importância
Para Mario Brum, a Maré tem grande importância para o Rio. “É um território com uma história muito grande, que, embora seja muito apresentado pela criminalidade, ainda mais quando se anuncia uma ocupação sem tempo definido para ele, é um território que produz muito saber.” Na pesquisa feita para a nova galeria do museu virtual Rio Memórias, Brum contou com ajuda de três jovens estudantes da Uerj, que são seus alunos e moram na Maré (Tainara Amorim, Aristenio Gomes, Daniele Figueiredo), além do jornalista Hélio Euclides, do Maré de Notícias, e da equipe da ONG Redes da Maré. “Esses jovens participam de cursos pré-vestibular, se mobilizaram na pandemia da covid-19 para uso da máscara e pela vacina. A Maré tem um dos índices de vacinação mais altos, graças ao esforço desses jovens ativistas e das lideranças comunitárias”, afirmou.
Brum destaca a luta da Maré contra diversos tipos de preconceitos. O território abriga a primeira casa de acolhida a pessoas LGBTQIA+ em favelas. “É um órgão público”, destacou. O curador reafirmou que se trata de um território onde moram pessoas que produziram muito pela cidade de diversas formas, desde a obra da Avenida Brasil, a construção dos prédios, a trabalhar na Ilha do Fundão, onde está o campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e para os quais a cidade devolve muito pouco.
Naquela área, existe um passivo ambiental muito forte, salientou o curador. “Todas as obras de construção da Linha Vermelha, de aterro da Ilha do Fundão, causaram um dano ambiental àquele território, onde moram pessoas que, na sua maioria, são pessoas que trabalham, estudam, levam sua vida com dignidade e recebem muito pouco do Estado, muitas vezes, embora o Estado, nas últimas décadas, graças também ao esforço desses moradores, tenha entrado com mais saúde, mais educação. São 50 escolas públicas dentro do território e no entorno, mas é um local de muita luta também”. Brum defendeu que o Estado deveria olhar para o bairro da Maré com mais carinho e mais gratidão.
Rio Memórias
A Associação Rio Memórias é uma organização sem fins lucrativos que visa à promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico, mediante a difusão da história e cultura da cidade do Rio de Janeiro, bem como a promoção de projetos e atividades relacionadas à educação.
Além da Rio de Marés, o museu virtual Rio Memórias abriga as galerias Rio de Sons; Rio Desaparecido; Rio de Conflitos; Rio em Movimento; Rio, Cidade em Transformação; Rio, Cidade Febril; Rio Cinético; Rio Cultural; Rio Literário; Rio Religioso; Rio na Independência; Rio Suburbano; Rio das Artes e Rio Operário.
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