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Uma disputa centenária sobre o controle de um território sul-americano pode ganhar novos contornos neste domingo (3). Eleitores venezuelanos vão às urnas para opinar, em um referendo, sobre a redefinição da fronteira de seu país com a república vizinha, a Guiana.  

O referendo inclui cinco perguntas ao eleitor sobre como a Venezuela deverá se comportar em relação a uma área de 160 mil quilômetros quadrados (km2) localizada a oeste do Rio Essequibo, que hoje responde por cerca de 75% dos 215 mil km2 do território da Guiana.

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A área, rica em minérios e pedras preciosas, está sob controle da Guiana desde que o país se tornou independente, em 1966. Antes disso, era dominada pelo Reino Unido, desde meados do século XIX. 

Os britânicos apoiavam seu direito ao território com base no fato de que, em 1648, os espanhóis cederam toda a área a leste do Orinoco aos holandeses. Parte dessa terra foi posteriormente passada pela Holanda ao Reino Unido.

A Venezuela, por sua vez, afirma que o território pertence a ela, já que era parte do Império Espanhol, havia a presença de religiosos espanhóis na área e, segundo ela, os holandeses nunca ocuparam a região à oeste do rio Essequibo. A reivindicação existe mesmo antes de o país se tornar independente, ou seja, quando ainda era parte da Grã-Colômbia. 

A região é conhecida na Venezuela como Guiana Essequiba, ou simplesmente, Essequibo, e aparece atualmente nos mapas oficiais do país como “Zona en Reclamación”, ou seja, um território que está sendo reivindicado.

Sob administração guianesa, Essequibo inclui áreas de seis províncias, das quais duas estão integralmente inseridas ali e três têm a maior parte de suas superfícies localizadas na região reivindicada pela Venezuela.

Além disso, Essequibo inclui uma porção importante da costa guianesa, onde há poucos anos foram descobertas enormes reservas de petróleo e que a Guiana já está explorando, em parceria com companhias como a norte-americana ExxonMobil e a chinesa CNOOC.

Referendo

A primeira pergunta do referendo é se a Venezuela deve rechaçar, “por todos os meios, conforme a lei” a atual fronteira entre os dois países. A posição oficial do governo venezuelano é que o limite deve ser jogado para o leste e estabelecido no rio Essequibo.

Para os venezuelanos, a atual fronteira foi estabelecida de forma fraudulenta pelo Laudo Arbitral de Paris de 1899, que envolveu dois árbitros britânicos, dois norte-americanos (sendo um deles indicado pela Venezuela) e um russo (indicado pelos quatro anteriores). 

A Venezuela aceitou a mediação do tribunal arbitral e inicialmente, apesar de contrariada, acatou os limites impostos por ele, que favoreciam em grande parte os britânicos. Décadas depois, no entanto, decidiu refutar o acerto, alegando fraudes na decisão arbitral.

A consulta popular também questiona se o eleitor está de acordo a “opor-se, por todos os meios, de acordo com a lei, à pretensão da Guiana de dispor unilateralmente de um mar pendente de delimitação”. A costa guianesa em questão inclui parte do campo gigante de Stabroek, com reservas estimadas em cerca de 11 bilhões de barris de óleo.

Outra pergunta é se o eleitor concorda em criar o estado de Guiana Essequiba e conceder cidadania venezuelana aos habitantes desse território.

As últimas duas perguntas envolvem as negociações internacionais acerca da definição da fronteira. O referendo pergunta, em uma delas, se o eleitor aceita o acordo de Genebra de 1966 como único instrumento capaz de resolver a controvérsia.

Em 1966, pouco antes da Guiana tornar-se independente, Reino Unido e Venezuela assinaram um acordo em Genebra que definia que os venezuelanos e guianeses deveriam formar uma comissão mista para solucionar a questão da fronteira entre os dois países. 

Mas o próprio acordo prevê que, caso não houvesse resolução, o caso deveria ser levado ao Secretariado-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o que aconteceu na década de 80. Em 2018, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres decidiu que o caso deveria ser julgado pela Corte Internacional de Justiça (ICJ), em Haia.

O problema é que a Venezuela não reconhece o ICJ como uma instância apropriada para resolver a questão. E o referendo pergunta ao eleitor se ele apoia “a posição histórica da Venezuela de não reconhecer a jurisdição da Corte Internacional de Justiça” para solucionar a controvérsia.

Brasília (DF), 30/05/2023 - O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, durante reunião com presidentes de países da América do Sul, no Palácio do Itamaraty. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Brasília (DF), 30/05/2023 - O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, durante reunião com presidentes de países da América do Sul, no Palácio do Itamaraty. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, está em campanha pelo 'sim' no referendo – Marcelo Camargo/Agência Brasil

O governo venezuelano defende que os eleitores respondam “sim” às cinco perguntas. O presidente Nicolás Maduro tem se envolvido pessoalmente na campanha eleitoral pelo “sim”, convocando a população a votar neste domingo. Segundo ele, “o resgate de Guiana Essequiba” é uma “cruzada, uma jornada histórica”.

“Foi inédita, única e magnífica a campanha eleitoral que o povo desenvolveu como protagonista, do resgate da Guiana Essequiba. Linda jornada histórica rumo ao #3Dic [hashtag para o 3 de dezembro], nunca antes se havia feito consulta sobre um tema de tanta importância no qual o povo decidirá o destino de Essequibo e a integridade territorial da Venezuela Toda. Só o povo salva o povo!”, escreveu Maduro em suas redes sociais na quarta-feira (29). 

'Provocativo e ilegal'

Já a presidência da Guiana convocou agências governamentais para uma sensibilização nacional guianesa em torno do referendo. Uma série de eventos, incluindo dias de oração e “círculos de unidade”, de sexta-feira (1º) a domingo (3), e “uma noite de reflexão patriótica” no dia do referendo venezuelano, estão previstos para o país.

O presidente guianês, Irfaan Ali, afirmou que a região de fronteira será reforçada pela polícia e forças armadas. O governo da Guiana considera as medidas tomadas pela Venezuela, como o referendo, são agressivas, infundadas e ilegais.

No início de novembro, a Assembleia Nacional da Guiana aprovou uma resolução em que classifica o referendo como “provocativo, ilegal, inválido e sem efeito legal internacional”. 

No fim de outubro, a Guiana havia pedido proteção urgente à ICJ, para evitar que a Venezuela ocupe território guianês. “A Guiana não tem dúvidas sobre a validade do Laudo Arbitral e da fronteira terrestre, que a Venezuela aceitou e reconheceu como sua fronteira internacional por mais de 60 anos”, informa nota divulgada em 31 de outubro pelo governo guianês.

Presidente da Guiana Mohamed Irfaan Ali, na Conferência de Ministros de Agricultura das Américas
Presidente da Guiana Mohamed Irfaan Ali, na Conferência de Ministros de Agricultura das Américas

Presidente da Guiana Mohamed Irfaan Ali, na Conferência de Ministros de Agricultura das Américas – Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) – Divulgação

 

Solução diplomática

O assunto foi discutido na última semana entre representantes dos dois países, em reunião de chanceleres e ministros da Defesa da América do Sul, em Brasília. O ministro das Relações Exteriores brasileiro, Mauro Vieira, declarou, ao fim da reunião que o Brasil deseja uma solução diplomático e pacífica para a controvérsia.

“O Brasil fez uma exortação, como todos os outros países também, para o entendimento, para a discussão diplomática e para a solução pacífica das controvérsias. Eu tive ocasião de dizer, a respeito dos comentários dos dois países, que o Brasil estimulava, como todos os outros países da região, que as controvérsias sejam sempre dirimidas por negociações, por entendimentos, por arbitragem, por recurso a tribunais internacionais como a Corte de Haia”, disse o chanceler brasileiro na ocasião.

A região reivindicada pela Venezuela faz fronteira com o Brasil, através do estado de Roraima. Uma ponte liga a cidade brasileira de Bonfim à cidade guianesa de Lethem. Muitos brasileiros visitam, trabalham e mantêm negócios do outro lado da fronteira.

O Ministério da Defesa informou que tem acompanhado a situação e que intensificou suas ações na “fronteira ao norte do país”, com um aumento da presença de militares na região. 

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