Oito em cada dez médicos que atendem a clientes de planos de saúde afirmam já ter enfrentado restrições das operadoras ao prescreverem a seus pacientes a realização de exames laboratoriais ou de imagem. A informação consta de pesquisa que as associações Médica Brasileira (AMB) e Paulista de Medicina (APM) realizaram com 3.043 profissionais de todo o país, entre 25 de fevereiro e 9 de março deste ano.
O levantamento divulgado hoje (31) aponta que 53% dos entrevistados relataram interferências das empresas de convênios médicos nos tratamentos propostos aos pacientes. Pouco mais da metade (51%) dos respondentes disseram já ter tido dificuldades na hora de internar seus clientes e 53% afirmam já ter sofrido pressão para antecipar a alta médica de pacientes internados. Além disso, 88% dos médicos alegam já ter presenciado pacientes abandonando os tratamentos devido ao aumento dos custos para manter um convênio médico.
“Verificamos quantas distorções a saúde suplementar vem experimentando no Brasil. Distorções de toda ordem, e que prejudicam não só os usuários, mas milhões de brasileiros que, dependentes do SUS [Sistema Único de Saúde], veem o sistema público ser sobrecarregados por usuários da saúde suplementar”, disse o presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral. “Há imensas alternativas no sentido de limitar a autonomia dos médicos”, acrescentou Amaral
“Claro que as operadoras de saúde suplementar precisam ser financeiramente saudáveis, sustentáveis, para prestarem a assistência, mas nos parece que a Agência Nacional de Saúde Suplementar [ANS] não tem tido a preocupação de auditar e verificar a rentabilidade destas empresas”, disse o presidente da AMB, César Eduardo Fernandes, citando reportagens sobre a lucratividade dos planos de saúde. “A saúde não se presta a gerar lucros abusivos. Precisamos ter mais transparência para o setor”.
Os representantes das entidades médicas responsáveis pela pesquisa destacaram que mais da metade (55%) dos 3.043 médicos entrevistados atendem a clientes de planos de saúde há mais de 20 anos, enquanto 51% dos respondentes têm convênio com cinco ou mais planos.
Consultada pela Agência Brasil, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), entidade que representa as operadoras privadas, comentou que os planos de saúde e prestadores de serviço (incluindo médicos, hospitais, clínicas, laboratórios entre outros) são interdependentes e que “a parceria entre eles é essencial para a existência e funcionamento da saúde suplementar”.
“A Abramge defende a autonomia dos médicos no diagnóstico e no tratamento de enfermidades, o que é um princípio basilar da medicina. A autonomia, no entanto, não afasta a importância do desenvolvimento e aprimoramento das práticas médicas e dos protocolos clínicos, que servem como referência tanto para os profissionais de saúde quanto para os pacientes. Quando construídos com critérios técnicos e embasamento científico, os protocolos asseguram a qualidade e a uniformidade do cuidado assistencial, melhorando desfechos clínicos e ampliando a eficiência do sistema como um todo”, informou a associação. Em nota, a entidade garante estar “sempre aberta a dialogar com todos os elos que compõem o sistema de saúde suplementar.
Legislação
A pesquisa também aborda a percepção dos médicos sobre as principais propostas de mudanças legislativas que tramitam no Congresso Nacional que, se aprovadas, incidirão na relação entre operadoras, clientes e médicos.
Quase oito em cada dez (77%) profissionais entrevistados consideram negativo o Projeto de Lei 7.419/2006, que propõe uma série de mudanças na Lei 9.656, de 1998, a chamada Lei dos Planos de Saúde.
“Mal a Lei 9.656 foi promulgada, houve uma sucessão de tentativas de contorná-la. Tentativas que continuam se sucedendo”, ressaltou o presidente da APM, defendendo a importância de ajustes legais que atualizem a legislação, mas sem prejudicar os usuários. “Há, hoje, na Câmara dos Deputados, mais de 300 propostas de modificações da lei. Quando as analisamos, quase todas beneficiam as operadoras”.
Entre as propostas criticadas pelas entidades médicas, está a possibilidade dos planos de saúde serem segmentados conforme o tipo de procedimentos contratados – possibilidade que 80% dos médicos que responderam à pesquisa acreditam que terá consequências negativas para os clientes.
Outra iniciativa vista como prejudicial é a possibilidade de reduzir os procedimentos de cobertura obrigatória estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), medida que, segundo a pesquisa, é rejeitada por 83% dos médicos. Também pode haver prejuízo aos pacientes, caso a legislação estabeleça um limite de cobertura dos planos – o que, de acordo com as entidades, possibilitaria às operadoras se negarem a atender procedimentos prescritos que não constem da lista-base, ainda que respaldados em evidências científicas.
A reportagem entrou em contato com a ANS, mas, até o momento da publicação, não tinha recebido qualquer comentário ou informação a respeito dos aspectos abordados na pesquisa.
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