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Quem já fez sessões de psicoterapia ou psicanálise sabe quão fundamental é ter, diante de si, um profissional capaz de efetivamente exercer a escuta das queixas e dos relatos e que saiba acolher. E, no caso de pacientes negros, isso tem relação com o reconhecimento, por parte do psicólogo ou psicanalista, de como o racismo estrutural interfere na vida dos pacientes.

Com o objetivo de entender como o passado escravagista e o presente racista do Brasil continuam se desdobrando em vulnerabilização, marginalização e agressões cometidas contra jovens negros, a enfermeira e pesquisadora Bruna de Paula Candido analisou o atendimento em um Centro de Atenção Psicossocial (Caps) da zona norte da capital paulista.

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Na unidade, ela e colegas que atuam na mesma área profissional constataram que, dos 220 prontuários dos pacientes autodeclarados pretos e pardos, 60 prontuários (27%) indicavam episódios de violência infantil. As violências identificadas foram abuso psicológico (54%), violência física (23%), abuso sexual (14%) e maus-tratos em geral (9%).

Ao todo, nove crianças/adolescentes (4%) foram alvo de atos de racismo em escolas. Algumas das crianças e dos jovens contaram ter sido xingados por meio de ofensas de cunho racial, como “escravo”, “macaco” e “preto sujo”.

Protagonismo negro

Como forma de estimulá-los a melhorar a visão que tinham de si mesmos e não deixar que as atitudes de racismo jogassem a autoestima para baixo, a equipe de profissionais do Caps buscou promover atividades que ressaltassem o protagonismo negro e contribuíssem para a representatividade negra.

Nesse sentido, de ampliar referências negras e o espaço para diálogo, aproxima-se do que a militância negra chama de “aquilombar”.

Mulher retinta, ou seja, de pele mais escura, Bruna Candido destaca que a repetição da discriminação racial pode realmente fazer com que as pessoas negras, sejam pardas ou pretas, duvidem de sua própria capacidade, se anulem ou adotem outras posturas que são reflexo da desvalorização por que passam nas relações interpessoais e profissionais.

“Uma criança, quando sofre racismo, não consegue se identificar como pessoa e isso, no decorrer dos anos, na juventude e na vida adulta, provoca sentimento de exclusão, de tristeza profunda”, afirma.

Capacitação profissional

Para a enfermeira, um dos índices que provam como a série de violências que atinge a população negra chega até ela é o de suicídios, que supera o de pessoas brancas e amarelas. “Isso [os prejuízos à saúde mental] fica mais forte nas crianças negras, justamente por elas reprimirem tanto os sentimentos, sofrerem tamanha violência, tanto institucional como estrutural”, diz.

Bruna Candido ainda observa que é preciso que o profissional, seja negro ou não, trate a saúde mental como algo que depende de outros fatores externos ao paciente, e considere o quadro social em que ele está inserido, além de procurar compreender de que forma o racismo o pressiona.

A solução, acrescenta ela, seria abordar essa temática do recorte racial desde a graduação dos profissionais de saúde e que evitem individualizar excessivamente questões que os pacientes compartilhem com eles, já que são provenientes de uma dimensão coletiva.

“É necessário que o profissional consiga ler nas entrelinhas. Afinal, o que é o cuidado em saúde mental? É exatamente esse. Você tem a questão dos transtornos mentais, mas a saúde mental é o bem-estar também. Então, o profissional deve conseguir enxergar que tem uma estrutura por trás, que pode fazer com que a pessoa não se sinta bem, inclusive com um profissional negro. São casos e casos”, pontua.

Números do racismo

A população negra é a principal vítima de mortes decorrentes de intervenções policiais. Representou 83,1% dos casos registrados em 2022, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Além da truculência da polícia, o mesmo levantamento aponta que as crianças e adolescentes negros entre zero e 17 anos são também quem mais sofre estupro, com exceção na faixa até 3 anos. Tais números mostram que a violência começa logo cedo na vida de muitos brasileiros negros.

Mulheres negras, por exemplo, têm menos chance de atingir mobilidade social, ou seja, de ascender profissionalmente. Quando melhoram de vida, sentem, muitas vezes, que não são merecedoras ou deslocadas em ambientes com maior predominância de pessoas brancas.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no primeiro trimestre deste ano, a taxa de desemprego entre as mulheres ficou em 10,8%, contra 7,2% dos homens. No recorte étnico-racial, os desempregados somam 11,3% entre os que se autodeclararam pretos, 10,1% entre os pardos e 6,8% entre os brancos.

Ainda segundo o IBGE, mais da metade (53,8%) dos trabalhadores do país em 2021 eram pretos ou pardos e, apesar disso, somados, ocupavam apenas 29,5% dos cargos gerenciais, enquanto os brancos ocupavam 69%.

Juntamente com esse contexto, há insegurança quanto a se ter um teto. O IBGE apurou que, ao mesmo tempo que 20,8% das pessoas pardas e 19,7% das pessoas pretas residentes em domicílios próprios não tinham documentação da propriedade, a parcela de pessoas brancas era de 10,1%.

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