O jornalista canadense Renaud Philippe, 39 anos, e sua esposa, a antropóloga brasileira Ana Carolina Mira Porto, 38, afirmam ter sido agredidos por um grupo de homens encapuzados e armados enquanto trabalhavam no sudoeste do Mato Grosso do Sul, documentando o conflito fundiário que envolve comunidades indígenas e produtores rurais.
Segundo o casal, a agressão ocorreu em Iguatemi (MS), na tarde da última quarta-feira (22). Philippe e Ana participavam de uma assembleia do povo guarani kaiowá, a Aty Guasu, em uma área reivindicada como território tradicional indígena na cidade de Caarapó, município a cerca de 140 quilômetros de Iguatemi.
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A Agência Brasil teve acesso ao boletim de ocorrência registrado na Delegacia de Amambai. De acordo com a antropóloga, ela e o marido decidiram deixar o evento indígena e ir até uma aldeia de Iguatemi onde pretendiam filmar. O casal estava acompanhado por um morador da comunidade, identificado como Joel, e pelo engenheiro florestal Renato Farac Galata, 41 anos, que Ana e Philippe conheceram na assembleia indígena.
Após deixar Joel na aldeia, Ana, Philippe e Galata decidiram ir até a área urbana de Iguatemi para comer algo antes de começarem as filmagens. No caminho, encontraram uma equipe do Departamento de Operações de Fronteira, da Polícia Militar (PM), que os abordou. Em depoimento, Galata mencionou que os policiais disseram que estavam apenas patrulhando a região, sem mencionar nada que preocupasse o trio.
Ainda em seus depoimentos, Ana Carolina, Philippe e Galata contaram que, quando retornavam à aldeia, se depararam com uma barreira de carros bloqueando a estrada. Segundo Ana, havia dezenas de homens junto aos veículos, muitos deles encapuzados e exibindo armas. A antropóloga lembrou que um dos homens se aproximou do carro do trio e os alertou para que deixassem o local, pois ali “ficaria perigoso”.
Impedidos de prosseguir, Ana, Philippe e Galata deram meia-volta. Segundo a versão do jornalista canadense, parte dos desconhecidos os seguiram e, ao alcançá-los, os fizeram descer do carro e se deitar no chão. Philippe contou que alertou os homens mascarados que era jornalista e que estava na região a trabalho, o que não evitou que ele e os demais passassem a ser agredidos.
Philippe diz ter recebido vários chutes nas costas e costelas. Ele também afirma que um dos agressores cortou um pedaço de seu cabelo com uma faca, ameaçando fazer o mesmo com Ana. De acordo com o trio, enquanto parte dos homens mascarados os agrediam, outros vasculhavam seus pertences pessoais.
No boletim de ocorrência, por roubo, consta que foram levados os passaportes de Ana e Philippe, além de cartões bancários, um crachá de identificação de jornalista internacional, duas câmeras e lentes fotográficas, baterias, dois celulares, uma bolsa e outros objetos.
Ana, Philippe e Galata afirmam ter sido ameaçados de morte caso não deixassem a região no mesmo dia. Libertados, os três encontraram uma equipe do Núcleo de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, da Defensoria Pública estadual, que realizava uma inspeção próxima ao local onde o trio afirma ter sido agredido.
Conflitos
Para entidades indígenas, a agressão se insere no contexto de violência contra as comunidades indígenas de Mato Grosso do Sul, estado marcado pela disputa por terras entre indígenas e produtores rurais.
Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e lideranças reunidas na Aty Guasu, no mesmo dia (22), dois indígenas foram sequestrados por desconhecidos, também na cidade de Iguatemi.
Moradores da Terra Indígena Pyelito Kue, localizada em uma área já identificada como território tradicional indígena e que os guarani kaiowá tentam ampliar, os dois indígenas foram encontrados horas depois, feridos. A Apib afirmou que, por segurança, não divulgará os nomes e outros detalhes que permitam a identificação deles.
Em um vídeo divulgado nas redes sociais, Phillipe conta que, ao deixar a Aty Guasu para ir à aldeia em Iguatemi, o trio tinha ouvido que dois guarani kaiowá haviam sido sequestrados naquele mesmo dia. “Estávamos indo para uma nova retomada depois de ouvir que algumas pessoas foram sequestradas […] O que aconteceu foi que umas 30 pessoas, a maioria [usando] algo na cabeça, vieram até nós, com caminhonetes e armas e simplesmente bateram em nós. E levaram tudo. Minha câmara, passaportes, celulares, tudo”, disse o jornalista canadense.
“Vimos a raiva de uma maneira que nunca tínhamos visto antes”, acrescentou a antropóloga, assegurando que um homem, “tremendo de raiva”, colocou uma faca junto a seu rosto. “E enquanto estávamos apanhando, a Polícia Militar passou e eu fiz assim [um gesto com as mãos juntas] para eles, [como que pedindo] “por favor, façam alguma coisa, mas não fizeram nada”.
Em nota, a Defensoria Pública do Mato Grosso do Sul confirmou que está acompanhando o caso dos profissionais “agredidos em uma área de retomada” de terras. Já a Defensoria Pública da União (DPU) informou que uma defensora federal também esteve com as vítimas e relatou que Ana, Philippe e Galata sofreram várias lesões e estavam bastante assustados.
Poucas horas antes, a DPU tinha encaminhado um ofício para a Delegacia de Amambai, pedindo que fossem investigadas as denúncias de que “seguranças privados estariam efetuando disparos com armas de fogo” próximo à ocupação indígena.
Ainda segundo a DPU, embora Ana, Philippe e Galata tenham registrado o boletim na delegacia, a Polícia Civil deixou a investigação a cargo da Polícia Federal (PF), já que “o fato ocorreu em um contexto de disputa de terras envolvendo comunidades indígenas da região de Iguatemi e em razão deste conflito”.
A PF confirmou que está investigando as denúncias e afirmou que já realizou “diligências nas localidades próximas à aldeia” para onde as vítimas se dirigiam quando foram atacadas.
Já a Polícia Militar confirmou que uma equipe chegou a abordar Ana, Philippe e Galata antes destes serem agredidos, mas não recebeu nenhum pedido de apoio na região de Iguatemi. Quanto à acusação de que militares teriam presenciado o trio ser agredido sem nada fazer, a corporação destacou que, no boletim de ocorrência, nenhuma das vítimas mencionou este fato.
Consultada pela reportagem, a embaixada do Canadá disse que foi informada de que um cidadão canadense foi agredido no Mato Grosso do Sul. “Funcionários consulares no Brasil estão em contato com os indivíduos e prestam assistência consular. Devido a considerações de privacidade, nenhuma informação adicional pode ser fornecida.”
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